Apresentar os quatro dogmas marianos oficialmente reconhecidos pela Igreja Católica, explicando seus significados teológicos e pastorais à luz dos documentos magisteriais, especialmente o Catecismo da Igreja Católica (CIC) e o Código de Direito Canônico (CDC), e mostrar como esses dogmas iluminam a fé e a devoção à Virgem Maria.

INTRODUÇÃO


  A Santíssima Virgem Maria é imaculada, é mãe de Deus, é perpetuamente virgem e foi assunta aos Céus. Essa frase, muito densa teologicamente, resume os quatro Dogmas Marianos, que são verdades de fé relacionadas à pessoa de Maria. Neste texto convidamos todos a mergulharem em realidades extraordinárias relacionadas à história da Salvação por Jesus Cristo. Entender esses dogmas é entender a fé católica e, apesar de carregar o nome “mariano”, apontam apenas para Nosso Senhor.


          Primeiramente, vamos entender o que é um dogma. O Catecismo da Igreja Católica diz:


        O Magistério da Igreja faz pleno uso da autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando propõe, dum modo que obriga o povo cristão a uma adesão irrevogável de fé, verdades contidas na Revelação divina ou quando propõe, de modo definitivo, verdades que tenham com elas um nexo necessário (CIC. § 88)


          Na Igreja Católica, um dogma é uma verdade de fé revelada por Deus que a Igreja, através de sua autoridade, define de maneira definitiva. É importante entendermos que o Papa proclamar um dogma não faz com que, a partir daquele momento, foi-se feita uma verdade. O que acontece é a confirmação de uma realidade que sempre existiu. Um exemplo prático: imaginem que dentro de uma caixa há um chocalho. No entanto, essa caixa está bem selada. Até o momento em que não se é revelado o que está dentro da caixa, qualquer pessoa pode tentar desvendar qual é o objeto: seja pelo peso, pelo barulho… Porém, a partir do momento em que se é revelado que é um chocalho, não há mais motivos para discussões. É assim com o dogma: aquela verdade sempre esteve ali, mas uma vez elevada ao “nível” de dogma, se cessa qualquer debate sobre sua procedência. 

Os dogmas são, em certo sentido, o núcleo da nossa fé, porque são verdades que todo católico é chamado a acreditar, aceitando-as com obediência e confiança. Eles não são meras opiniões ou teorias, mas sim ensinamentos claros, estabelecidos por Deus e transmitidos pela Igreja para a nossa salvação. Os dogmas são essenciais para a vida de fé porque nos mostram verdades que não poderíamos descobrir apenas com nossa razão. Eles são como luzes que iluminam o caminho do cristão, guiando-nos no entendimento correto da fé e da revelação divina. A importância dos dogmas está no fato de que eles protegem a pureza da nossa fé, garantindo que aquilo que acreditamos esteja em conformidade com a vontade de Deus e com a verdade revelada por Jesus Cristo.


          Quando acrescentamos a subcategoria “marianos”, estamos tratando de verdades de fé que envolvem a pessoa da Virgem Santíssima. Afinal, Maria não é uma mulher qualquer. Esses dogmas revelam aspectos profundos da vida e do papel de Maria no plano de Deus para a salvação da humanidade. Eles são como pilares que sustentam a devoção e o amor que os católicos têm por Maria. O desenvolvimento dos dogmas marianos foi um processo que aconteceu ao longo da história, através do estudo das escrituras, da oração, da reflexão teológica e dos ensinamentos dos santos padres e doutores da igreja. Eles nos ajudam a entender melhor quem é Maria e a importância dela na nossa fé. Esses dogmas são uma parte central da Mariologia, que é o estudo teológico sobre Maria. Eles mostram como Maria está unida a Jesus e como ela, de maneira única, cooperou no mistério da salvação, desde o seu sim no momento da anunciação até sua assunção ao céu. Portanto, ao falarmos de dogmas, especialmente os marianos, estamos tratando de verdades que nos ajudam a nos aproximar mais de Deus, compreendendo o papel essencial de Maria na história da salvação e na vida de todos os cristãos. 


           Desde os primeiros séculos do cristianismo, a devoção a Maria sempre esteve presente entre os fiéis. Já nos tempos apostólicos, Maria era vista como uma figura singular, tanto por seu papel como mãe de Jesus, quanto pela sua fidelidade a Deus. Na Bíblia, encontramos passagens que indicam essa importância. Por exemplo, no Evangelho de Lucas, o anjo Gabriel a saúda como cheia de graça (Lc 1, 28), destacando sua singularidade aos olhos de Deus. E também no mesmo Evangelho, Maria é chamada de bem-aventurada por todas as gerações, (Lc 1, 48), algo que a Igreja tem mantido ao longo dos séculos em sua veneração. 

           Nos escritos dos padres da Igreja, encontramos referências claras à importância de Maria. Santos como Inácio de Antioquia, Irineu de León e Justino Mártir reconheceram o papel de Maria no plano da salvação. Eles viam nela a nova Eva, aquela que, ao contrário da primeira Eva, com sua obediência a Deus, colaborou para desfazer o nó da desobediência de nossos primeiros pais. Irineu, em especial, foi um dos primeiros a conectar Maria diretamente com o mistério da salvação, mostrando que, assim como Eva foi mãe de todos os que vivem, Maria, por meio de sua fé, se tornou mãe de todos os redimidos em Cristo.


          Para os primeiros cristãos, Maria era venerada como mãe de Deus, um título que, mais tarde, seria oficialmente proclamado no concílio de Éfeso, no ano de 431. Eles entendiam que, sendo a mãe de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Maria tinha um papel único na história da redenção. Essa compreensão levou a crescente devoção a ela como intercessora junto a seu filho. Os cristãos confiavam que, assim como nas bodas de Caná, Maria continuava a interceder por nós, apresentando nossas necessidades a Jesus.


          A devoção a Maria não surgiu de um momento específico, mas foi crescendo organicamente, à medida que os cristãos refletiam mais profundamente sobre o mistério da encarnação e o papel de Maria nesse mistério. Ao longo dos séculos, essa veneração foi sendo expressa através de orações, hinos e práticas de piedade, como o Rosário. que se tornou uma forma poderosa de meditação nos mistérios da vida de Cristo através dos olhos de Maria. Dessa forma, desde os primórdios, os cristãos viram em Maria um modelo perfeito de fé, uma intercessora fiel e uma mãe amorosa. E foi a partir dessa devoção inicial que a Igreja foi aprofundando, ao longo dos séculos, o entendimento teológico sobre Maria, definindo os dogmas marianos e consolidando sua importância na vida espiritual dos fiéis. Esses dogmas não surgiram de repente, mas foram proclamados à medida que a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, foi aprofundando sua compreensão sobre a figura de Maria. Cada um desses dogmas é uma verdade de fé, revelada por Deus, e nos convida a refletir sobre o mistério de Maria e sua relação com Jesus e com a nossa salvação.


         Durante a história da Igreja, esses acontecimentos foram sendo elevados ao status de dogma. Hoje, são quatro:

  1. A Maternidade Divina: Maria é Mãe de Deus 
  2. A Virgindade Perpétua: Maria é virgem desde antes, durante e depois do parto de Nosso Senhor
  3. A Imaculada Conceição: Maria foi preservada da mancha do pecado original
  4. A Assunção: Maria foi assunta em corpo e alma ao Céu


1° Dogma mariano: A maternidade divina


          O primeiro dogma é o da maternidade divina, que foi proclamado no concílio de Éfeso no ano 431. Esse dogma afirma que Maria é verdadeiramente mãe de Deus. Nos primeiros séculos, os cristãos refletiam sobre o mistério de Cristo, e naturalmente, a figura de Maria também ganhava destaque. Quando surgiu a heresia nestoriana[1], que afirmava que Maria era apenas mãe do homem Jesus e não de Deus, a igreja precisou defender a plena divindade de Cristo. Foi então que o concílio de Éfeso, guiado pelo Papa Celestino I, reafirmou que Maria é theótokos, que significa portadora de Deus, a Mãe de Deus, porque ela deu à luz a Jesus, que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Esse dogma não é apenas sobre Maria, mas sobre a própria identidade de Jesus. Ele reforça que Jesus, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nasceu de Maria e,por isso, ela é corretamente chamada Mãe de Deus.


          A fundamentação bíblica do dogma está em Lc 1,30-35:

O anjo disse-lhe: Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim. Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, pois não conheço homem? Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus.

          E confirmado ainda em Lucas 41-43:

Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. E exclamou em alta voz: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?


         É um dogma com base escriturística [2] revelada suficiente. O dogma ensina que houve uma verdadeira maternidade biológica, isto é, humana e natural e, ao mesmo tempo, uma maternidade plenamente espiritual, tanto quanto ao modo – uma maternidade virginal – quanto à causa da maternidade – o Espírito Santo. Daí que a maternidade divina de Maria se mostra como uma verdade cristológica[3] e mariológica[4] simultaneamente.

           Pode parecer meio estranho essa afirmação que Maria é Mãe de Deus. Deus pode ter mãe? Não seria equivocado afirmar que Deus, que é, foi de alguma maneira “gerado” por uma mulher? Pois bem, esse tipo de questionamento que gerou debates acalorados. Tudo se resolve com uma expressão: união hipostática[5]. Maria gerou a natureza humana de Nosso Senhor. No entanto, a natureza humana e a natureza divina estão unidas inseparavelmente desde o primeiro instante de sua concepção. Por isso podemos afirmar que Maria é Mãe de Deus. O Concílio de Calcedónia, realizado em 451, formalizou a doutrina da união hipostática, definindo que Jesus é um só e mesmo Filho de Deus, perfeito em divindade e perfeito em humanidade. 

          O dogma da maternidade divina de Maria provém da Tradição do ensino da Igreja. Outro fundamento bíblico encontra-se no texto do evangelista Mateus:

“A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. José, seu esposo, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, resolveu repudiá-la em segredo. Enquanto assim decidida, eis que o Anjo do Senhor se manifestou a ele em sonho, dizendo: ‘José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo’” (Mt 1,18-20).


          Este dogma constitui a mais profunda razão do ser e da existência da Virgem Maria, assim como do lugar que ela ocupa no plano divino da salvação. Se ela passou a exercer um papel relevante no culto e na piedade da Igreja, foi devido à sua maternidade divina, que se constitui como o mistério central de sua vida e onde se fundamentam os mistérios concernentes a sua pessoa, assim como tudo em sua vida gira em torno da pessoa e da missão de seu Filho (cf. Lumen Gentium, n. 61). O texto do capítulo assim se expressa:

         

          A Sagrada Escritura do Antigo e Novo Testamento e a venerável Tradição mostram de modo progressivamente mais claro e como que nos põem diante dos olhos o papel da Mãe do Salvador na economia da salvação. Os livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação na qual se vai preparando lentamente a vinda de Cristo ao mundo. Esses antigos documentos, tais como são lidos na Igreja e interpretados à luz da plena revelação ulterior, vão pondo cada vez mais em evidência a figura duma mulher, a Mãe do Redentor. (...) Com ela, enfim, excelsa filha de Sião, passada a longa espera da promessa, se cumprem os tempos e se inaugura a nova economia da salvação, quando o Filho de Deus dela recebeu a natureza humana, para libertar o homem do pecado com os mistérios da sua vida terrena (Lumen Gentium, n. 55).


          Tamanha a importância desse dogma que o celebramos no dia primeiro de janeiro, na solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Inclusive, é missa de preceito, ou seja, obrigatória a todo fiel católico, salvo motivo grave. 



2° Dogma mariano: A Virgindade Perpétua


         O segundo dogma é o da virgindade perpétua de Maria. Embora tenha sido definido oficialmente em 649, durante o Concílio de Latrão, por Papa Matinho I essa crença já estava presente na tradição da Igreja desde os primeiros séculos. Esse dogma tem suas raízes na tradição apostólica afirmando que Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do nascimento de Jesus.  A Igreja ensina que, ao conceber Jesus pelo poder do Espírito Santo, Maria permaneceu virgem. E essa virgindade é sinal da sua entrega total a Deus. O fato de Maria ser ao mesmo tempo mãe e virgem é um grande mistério da fé, que aponta para a ação especial de Deus em sua vida.


        O Papa Matinho I assim afirmou: “Se alguém não confessa de acordo com os santos Padres, propriamente e segundo a verdade, como Mãe de Deus, a santa, sempre virgem e imaculada Maria, por haver concebido, nos últimos tempos, do Espírito Santo e sem concurso viril gerado incorruptivelmente o mesmo Verbo de Deus, especial e verdadeiramente, permanecendo indestruída, ainda depois do parto, sua virgindade, seja condenado”. “Tendo-Se encarnado na santa gloriosa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, nasceu dela” (DS 422)[6]


   Desde os primeiros séculos, os padres da igreja defendiam a virgindade de Maria. Santo Atanásio e Santo Agostinho defenderam essa crença em suas reflexões sobre o papel de Maria, insistiram na importância da virgindade perpétua como um sinal da total consagração de Maria a Deus e do mistério único de sua maternidade divina. E ao longo dos séculos, os santos e doutores da Igreja desempenharam um papel crucial na formulação das crenças marianas.


         Os Padres da Igreja ainda ensinam, ao mesmo tempo, a integridade física da maternidade da Virgem Maria, a sua realidade somática, e a virgindade também como sinal das realidades sobrenaturais. Desse modo, a maternidade divina e a concepção virginal de Jesus não são somente dois fatos milagrosos, mas também verdadeiros mistérios relacionados, que se dá nas dimensões histórica e pessoal, pois ambas se realizaram na Virgem Maria. Os dois acontecimentos ocorreram na história humana e na pessoa mesma da Virgem Maria, o que diz respeito à história da salvação.

      O Catecismo da Igreja Católica reafirma isso no artigo 499, onde diz:

“A Igreja confessa a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem.”


         Evangelhos de Mateus e Lucas deixam claro que Maria concebeu Jesus pelo poder do Espírito Santo, sem a cooperação de homem algum. Em Mateus 1, 18-25, temos:


          Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados. Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel (Is 7, 14), que significa: Deus conosco. Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu em sua casa sua esposa. E, sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus.


          A virgindade de Maria é integral, não só no sentido da real entrega de corpo e alma a Deus, mas também no sentido de uma entrega perpétua. Em outras palavras, a Santíssima Virgem não foi só toda de Deus, mas foi também sempre de Deus. Portanto, a sua prestação não foi passageira, mas permanente e total, sem resto algum. Maria é a “virgem absoluta” (S. Tomás).


          Por isso mesmo, Maria se sentiu tão pleni­cada por Cristo, o consumador de tudo, que não podia conceber “outro ­filho”. O amor ao seu Filho único respondia totalmente às suas expectativas de mulher (A. Serra). Depois que foi invadida e possuída totalmente pelo Espírito de Deus, Ela não podia pertencer mais a homem nenhum. Por isso a­rmava Orígenes: “A dignidade de Maria exige que aquele corpo, destinado a servir ao Verbo e sobre o qual descera o Espírito Santo... não conhecesse relação sexual com homem nenhum”

 

         Contudo, a virgindade perpétua de Maria recebe, hoje, muitas críticas, particularmente devido à grande valorização da sexualidade nos dias atuais. Para muitos, parece algo totalmente despropositado falar e defender a virgindade. E justamente por isso, deve ser mostrado o sentido da virgindade de Maria, a fim de que ela, a mãe de Deus e mãe da Igreja, possa inspirar os cristãos, também, na virtude da castidade. Então, nesse dogma encontramos o caminho da santificação, da proximidade de Deus, a exemplo de Nossa Senhora.


          Esse dogma já havia sido citado no Concílio de Constantinopla II, em 553, e proclamado em 649 no Concílio de Latrão. 



3° Dogma mariano: A Imaculada Conceição


          O terceiro dogma é o da Imaculada Conceição, proclamado pelo Papa Pio IX em 08 de dezembro 1854, com a bula “Ineffabilis Deus”. Esse dogma afirma que Maria foi concebida sem o pecado original. Desde o primeiro instante de sua existência, Deus a preservou de qualquer mancha de pecado, preparando-a para ser a mãe de seu filho (Lc 1,28). Isso não quer dizer que Maria não precisava de redenção. Pelo contrário, Ela foi redimida de maneira especial, desde sua concepção, em vista dos méritos de Cristo. A Imaculada Conceição nos mostra a pureza singular de Maria e sua total entrega a Deus desde o início de sua vida. 


         Santo Tomás de Aquino, por exemplo, ajudou a aprofundar a compreensão da Imaculada Conceição. O dogma da Imaculada Conceição também foi fruto de séculos de reflexão. A Igreja, desde os primeiros tempos, reconhecia a santidade singular de Maria, mas a compreensão de que ela foi concebida sem o pecado original foi amadurecendo ao longo dos séculos. Padres da Igreja, como Santo Agostinho, refletiram sobre o pecado e a redenção e gradualmente, A ideia de que Maria foi preservada do pecado desde o primeiro instante de sua existência se tornou mais clara. Finalmente, em 1854, o Papa Pio IX, após consulta aos bispos do mundo inteiro, definiu solenemente o dogma da Imaculada Conceição. Esse evento foi um marco importante, mostrando como o entendimento da Igreja evolui sob a luz do Espírito Santo, sem perder a continuidade com a tradição.


          Em Gênesis 3, 15, encontramos a chamada Proto-Evangelho[7], a primeira promessa de redenção, onde Deus diz à serpente que colocarei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o descendente dela. A Igreja vê nessa passagem uma profecia de Maria, que, desde sua concepção, foi preservada do pecado original. Santo Agostinho, por exemplo, já refletia sobre a pureza singular de Maria. afirmando que não podemos sequer pensar que ela tenha cometido algum pecado.[8]


          “Je suis l’Immaculée Conception”, Eu sou a Imaculada Conceição. Foi assim que a Virgem se apresentou para a camponesa Bernadette Soubirous, na pequena cidade de Lourdes em 1858. Essa apresentação é uma grande confirmação do dogma para um mundo imerso no ceticismo. Afinal:

  1. Essa verdade de fé tinha sido proclamada apenas quatro anos antes, em 1854.
  2. Santa Bernadette era iletrada e frequentemente faltava a escola por problemas de saúde, portanto não tinha conhecimento catequético básico. 
  3. Interrogada diversas vezes pelas autoridades eclesiais, a professora de Bernadette (muito cética com relação a menina, diga-se de passagem) afirmava categoricamente que sequer mencionara esse dogma. 


           Dizer que Maria foi concebida sem pecado significa dizer que ela foi preservada da mancha do pecado original para que, pura, pudesse gerar Jesus, também puro. E isso foi feito por Deus antecipando para a Santíssima Virgem a graça redentora que Nosso Senhor conquistaria pela Cruz.   


          Como diz Santo Afonso Maria de Ligório, era conveniente às três pessoas da Trindade a Imaculada Conceição de Maria. A Deus Pai, porque se Maria iria mediar a vinda do Salvador, não poderia de maneira alguma ser “inimiga”, pelo pecado, de Quem iria redimir o mundo. A Deus Filho, porque a um rei é digna uma rainha e não uma escrava. A Deus Espírito Santo porque merecia uma perfeita esposa.


           Em honra da Santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para a exaltação da fé católica e para o incremento da Religião Cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos santos Apóstolos Pedro e Paulo e com a Nossa, DECLARAMOS, PRONUNCIAMOS E DEFINIMOS, como doutrina revelada por Deus, o seguinte:

         

          A Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua concepção, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, FOI PRESERVADA IMUNE DE TODA MANCHA DE PECADO ORIGINAL. Essa doutrina, pois, deve ser crida firmemente e inviolavelmente por todos os fiéis. Portanto, quem presumir deliberadamente (que Deus não o permita!) pensar em seu coração uma opinião contrária a essa definição, conheça e saiba que se condena a si mesmo por seu próprio juízo, que fez naufrágio na fé, que se separou da unidade da Igreja e que incorreu automaticamente nas penas estabelecidas pelo Direito.


4° Dogma mariano: A Assunção de Nossa Senhora


           O último dos dogmas marianos a ser proclamado foi o da Assunção de Maria, em 01 de novembro de 1950, pelo Papa Pio XII. Esse dogma ensina que, no final de sua vida terrena, Maria foi assunta ao céu de corpo e alma. Ao contrário de todos os outros seres humanos, cujo corpo aguarda a ressurreição final, Maria já participa da glória celeste em corpo e alma. Esse privilégio especial foi concedido a ela por ser a mãe de Deus e por sua total fidelidade ao plano de salvação. A Assunção é um sinal de esperança para todos nós, pois nos lembra da promessa de que, um dia, também seremos ressuscitados e unidos a Deus no céu.


           O dogma da Assunção de Maria também passou por um longo processo de amadurecimento. Desde os primeiros séculos, a Igreja venerava Maria como estando junto de seu Filho no céu. Mas a ideia de que ela foi levada de corpo e alma ao céu foi se consolidando gradualmente. Escritos antigos, como os de São João Damasceno, já falavam da Assunção de Maria, e a devoção popular à sua glorificação celestial cresceu com o passar dos séculos, até a promulgação do dogma, com a publicação da Constituição Apostólica Munificentissimus Deus que traz a seguinte declaração:


          “Pela autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e em nossa própria autoridade, pronunciamos, declaramos e definimos como sendo um dogma revelado por Deus: que a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, tendo completado o curso de sua vida terrena, foi assumida, corpo e alma, na glória celeste”.


           Antes disso, haviam petições para que se apresentasse uma definição dogmática para o tema. Pio XII preferiu fazer uma ampla consulta ao episcopado do mundo inteiro. Para que essa consulta fosse realizada, o Papa publicou no dia 1º de maio de 1946, uma Encíclica de apenas 4 parágrafos com título “Deiparae Virginis Mariae“. O documento trazia uma proposta do dogma da Assunção. Nele o papa faz um resumo dos pedidos que a Santa Sé recebera para que se para que fosse dada a definição dogmática:


         “segundo a nossa convicção, que desde há algum tempo se apresentam à Sé Apostólica cartas de súplica […] enviadas por cardeais, arcebispos, bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, associações, universidades e, enfim, por inumeráveis fiéis particulares, com o objetivo de que se declare e defina solenemente como dogma de fé que a bem-aventurada virgem Maria subiu em corpo aos céus. E, de certo, ninguém ignora que isso mesmo foi pedido com ardentes votos por quase 200 padres do Concílio Vaticano”.



          A Assunção de Maria também encontra eco nas Escrituras, mesmo que não seja mencionada diretamente. O livro do Apocalipse, no capítulo 12, descreve uma mulher vestida de sol, com a lua sob os pés e uma coroa de 12 estrelas. A Igreja interpreta essa mulher como um símbolo de Maria, glorificada no céu junto a seu filho.


          A Assunção nos deixa uma reflexão belíssima de como é oposta a passagem de Maria para a Vida Eterna. Afinal, a morte, para qualquer pessoa, é acompanhada de três aflições (em maior ou menor grau, a depender da progressão espiritual de cada um): 1) A incerteza da salvação 2) O apego aos bens terrestres 3) O remorso dos pecados. Maria tinha certeza da salvação, nunca cometeu nenhum pecado e era completamente desapegada do mundo. Dessa maneira, sua passagem (há divergências se teria morrido ou apenas dormido, visto que não havia pecado) foi gloriosa, elevada aos Céus em corpo e alma pelo próprio Jesus, para ser coroada Rainha.


           Papa Francisco, na Solenidade da Assunção, durante a viagem na qual participou da VI Jornada Asiática da Juventude, celebrada num estádio lotado na Coréia, em 2014, disse:


           “A Assunção de Maria mostra-nos o nosso destino como filhos adoptivos de Deus e membros do Corpo de Cristo: como Maria, nossa Mãe, somos chamados a participar plenamente na vitória do Senhor sobre o pecado e a morte e a reinar com Ele no seu Reino eterno. Esta é a nossa vocação”. Eq pediu: “Ao celebrar esta festa, unimo-nos a toda a Igreja espalhada pelo mundo e olhamos para Maria como Mãe da nossa esperança”, a mesma esperança que “é o antídoto contra o espírito de desespero que parece crescer como um câncer no meio da sociedade, que exteriormente é rica e, todavia, muitas vezes experimenta amargura interior e vazio”. E finalizou: “A quantos dos nossos jovens não fez pagar o seu tributo um tal desespero! Que os jovens, que nestes dias se reúnem ao nosso redor com a sua alegria e confiança, nunca lhes vejam roubada a esperança!”.


         Estando em corpo e alma junto de Deus, entendemos a grandiosidade de Maria frente a todos os outros santos. Sua união com a Santíssima Trindade chega ao nível mais elevado possível. Portanto, pedir a intercessão de Maria é confiar nessa união e entender que os pedidos que fazemos à Mãe chegam com carinho e piedade ao Filho. 



Extra: um possível quinto dogma?


          Há alguns movimentos espalhados pelo mundo que defendem a proclamação de um quinto dogma mariano: Maria como Corredentora / Medianeira de Todas as Graças. 


           Maria é a Medianeira porque intercedeu para trazer Cristo, fonte de todas as graças, ao mundo e Jesus ainda a entregou para esse fim na Cruz, no diálogo com o discípulo amado.   

     

          Maria compartilhou de maneira única o sacrifício de Cristo para redimir a humanidade dando o Seu corpo e sofrendo com Cristo no Calvário. Por isso chamá-la de Corredentora (o que não significa ser igual).


        Saiba mais sobre o movimento em torno do quinto dogma. Se isso irá acontecer, não devemos nos preocupar, pois Jesus conduz sua Igreja! Devemos manter a paz e a alegria de poder ver de perto o espetáculo que é a Fé Católica. Enquanto isso peçamos intercessão da Bem-Aventurada Sempre Virgem Maria, que é Mãe de Deus, imaculada e que está junto de Jesus em corpo e alma.


Conclusão


        Os dogmas não isolam Maria, mas a inserem no centro do mistério de Cristo e da Igreja. Eles protegem verdades fundamentais da fé cristã, como a encarnação e a redenção, e apontam Maria como modelo de discipulado, fé e esperança escatológica para todos os cristãos.



📚Bibliografia

  • Catecismo da Igreja Católica (CIC), §§ 484–511; 963–975.
  • Código de Direito Canônico (CDC), cânones 1186, 750, 252 §3.
  • Concílio de Éfeso, 431 – DS 251.
  • Papa Pio IX, Ineffabilis Deus, 1854.
  • Papa Pio XII, Munificentissimus Deus, 1950.
  • Concílio Vaticano II, Constituição Lumen Gentium, cap. VIII.



[1]A heresia nestoriana, também conhecida como nestorianismo, é uma doutrina cristológica que se propôs a separar a natureza divina e a natureza humana de Jesus Cristo. Basicamente, os nestorianos acreditavam que Cristo era uma pessoa com duas naturezas distintas: uma divina e outra humana, que, embora juntas, não se misturavam ou se confundiam. Essa doutrina foi proposta por Nestório, Patriarca de Constantinopla, e foi condenada pelo Concílio de Éfeso.


[2] "Escriturística" - refere-se a algo relacionado com a Sagrada Escritura, ou seja, com os livros bíblicos. 

[3]   A verdade cristológica refere-se à doutrina e compreensão teológica sobre a pessoa e obra de Jesus Cristo, especialmente na fé cristã. A Cristologia é o ramo da teologia que se dedica a estudar e definir a natureza de Jesus, incluindo sua identidade, ministério, morte e ressurreição, e sua relação com Deus. 

[4]   A verdade mariológica refere-se às doutrinas e crenças sobre Maria, mãe de Jesus, dentro da Igreja Católica. Ela é estudada pela mariologia, uma disciplina teológica que investiga a figura, o mistério, a missão e o significado de Maria na história da salvação. 

[5]   A união hipostática é um conceito central da teologia cristã que descreve a união indissolúvel da natureza divina e da natureza humana em uma única pessoa, Jesus Cristo. O termo, de origem grega (ὑπόστασις, "substância" ou "pessoa"), significa que Jesus é tanto Deus verdadeiro como homem verdadeiro, sem que as duas naturezas se misturem ou se alterem. 


[6]   A sigla "DS" refere-se à publicação "Decreta Conciliorum Ecumenicorum", que reúne os decretos dos concílios ecumênicos. 


[7]   "Protoevangelho" significa, na teologia cristã, o primeiro anúncio da promessa da salvação, ou a primeira mensagem do evangelho

[8]   A obra "Confissões", de Santo Agostinho, em particular, a discussão sobre a pureza de Maria está presente no livro VII, onde ele reflete sobre a natureza do mal e a graça divina. 





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